TRABALHO DE CONCLUSÃO DO
CURSO DE CAPACITAÇÃO EM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO 2013
Um projeto terapêutico para a personagem Tiffany do filme - O lado bom da vida.
Aluna: Bárbara Maria Turci
Tiffany é uma mulher de 25 anos de
idade que mora sozinha em um adendo da casa dos pais. Ela se tornou,
recentemente, viúva e, a partir da morte do ex marido, teve problemas no
trabalho e acabou sendo despedida. Após estes acontecimentos, seu círculo
social se tornou mais restrito e Tiffany passou a ficar bastante agitada,
agressiva e, de forma alternada com estes comportamentos, deprimida.
Desde então, seus pais estavam
preocupados com o tipo de relacionamento que ela vinha estabelecendo,
principalmente com homens. A partir, principalmente, destas preocupações,
tomaram a iniciativa de me contratar enquanto Acompanhante Terapêutica. Segundo
eles mesmos me disseram na entrevista inicial que tive com ambos, procurar um
AT foi a última alternativa em que pensaram e foi fornecida pelo psicólogo da
família após Tiffany não apresentar nenhuma adesão aos tratamentos, tanto à
terapia quanto aos medicamentos. Também foram feitas tentativas de que Tiffany
fosse vinculada à rede de atenção a saúde mental, mas estas opções “não
pareceram se encaixar com o perfil dela”, como me disseram seus pais.
Tiffany apresenta uma história
complicada com relação à perda do ex marido. Segundo seus pais relataram, Tommy
e Tiffany não faziam sexo há um bom tempo e certa noite, para tentar
“apimentar” a relação, ele saiu para comprar uma langerie. Na volta para casa,
parou para ajudar um homem cujo carro havia quebrado, foi atropelado e faleceu.
Após este acontecimento, Tiffany transou com todos os seus colegas de serviço
e, após ter feito sexo com o chefe do seu departamento, foi despedida. Desde
então, vários homens aparecem procurando-a em casa. Após o episódio da
demissão, Tiffany se tornou agressiva com os pais, se mudou para um adendo da
casa dos mesmos e transformou-o em um estúdio de dança, em que pratica com
frequência, e em um quarto, onde ela dorme todas as noites. Seu círculo de
relacionamentos passou a se restringir aos homens com quem sai, aos pais e à
irmã e seu marido.
Como já mencionado, alternativas
anteriores ao Acompanhamento Terapêutico já haviam sido tentadas: Tifanny ia a
consultas semanais com o psicólogo da família e também frequentava regularmente
um psiquiatra. Utilizava-se, também, de tratamento medicamentoso (Efexor e
Xanax) para controle da depressão e da agressividade. A terapia e as visitas ao
psiquiatra foram abandonadas porque Tiffany afirma não ter paciência. Ela
abandonou o tratamento medicamentoso pelo fato de eles a deixarem lenta.
Após todas as informações obtidas
na entrevista inicial com os pais, marquei um encontro com Tiffany na mesma
casa (ela não me deixaria entrar no local em que de fato mora por ainda não ter
confiança). Fiz o enquadramento do que seria meu trabalho com ela,
explicando-lhe os motivos pelos quais seus pais haviam me chamado e ressaltando
as diferenças entre o acompanhamento terapêutico e a terapia que ela já
realizara. Tiffany se mostrou bastante esquiva e incomodada de ter alguém presente
em sua rotina diária e, por isso, acordamos que eu iria vê-la uma vez por
semana, inicialmente, e, se ela se sentisse confortável, poderíamos nos ver
mais vezes, em ocasiões que ela se sentisse bem com isso.
Neste dia saímos para dar uma
volta no bairro e ela me contou sobre como gosta de correr e que tem feito
corridas junto com um amigo, Pat. Quando tento saber mais sobre ele, ela se
mostra agressiva e diz que ele só está interessado porque ela vai ajudá-lo a
entregar uma carta a sua ex-mulher. Pergunto por que ela acha isso e ela começa
a me contar sobre seu relacionamento com outros homens, sobre como eles só a
procuram por interesse, normalmente por sexo, e relata os vários episódios com
os colegas do escritório. Tive a sensação de que ela estava tentando me
assustar, já que quando não a julguei pelo que estava me contando, ela se
tornou menos agressiva e me passou a me olhar com muita curiosidade.
Tiffany me contou, ainda, que tem
planos de dançar em um concurso em que ela e Tommy iriam participar e que havia
convidado Pat para dançar com ela. Explicou-me que ele só havia concordado por
causa da carta, mas que ela havia mentido sobre entregar a mesma. Novamente de
maneira muito agitada, até com o tom de voz bem mais alto, ela praticamente
“grita” a história da morte de seu marido. Parece-me, de novo, que estava
tentando me assustar e, quando não a julguei, mas acariciei seu ombro em um
gesto de carinho, ela cedeu e ficou em silêncio.
Como projeto terapêutico de
Tiffany, proponho, na realização do vínculo, estabelecer confiança suficiente
para entrar em sua rotina e conseguir fazê-la compartilhar a dor de ter perdido
o marido da maneira mais saudável que ela puder. Objetivo, aqui, ajudá-la na
elaboração do luto de Tommy. Acredito que Tiffany se sente culpada pela morte
do ex marido e se martiriza muito pelo fato de não ter feito sexo com ele por
muito tempo e de não ter podido se despedir, o que pode ter justificado seu
comportamento com os colegas do serviço. Acredito que a pretendida elaboração
irá acontecer a medida que Tiffany puder conversar sobre a morte de Tommy
ocupando um lugar apenas de ex esposa que sofre pelo luto, sem a obrigação de
ser forte, sem se culpar, mas sendo livre para sentir sem ser julgada ou
reprimida.
Pretendo ajudá-la no relacionamento
com os homens que continuam procurando-a. Objetivo mostrar para ela que há
outras opções de relacionamento com eles, de amizade, por exemplo, e explicitar
que ela não precisa transar com todos os homens com quem sai para que eles
gostem dela e, dessa forma, eles não ficarão interessados nela apenas para
fazer sexo, mas por outras características suas. Concomitante a isso, pretendo
mediar a relação com Pat, que parece ser bastante importante para Tiffany.
Farei com que ela perceba que a relação com ele não precisa ser puramente de
interesse na carta ou na dança, mas que eles possam aproveitar a companhia um
do outro de maneiras diferentes e que não envolvam apenas seus problemas.
Acredito que conhecer Pat seja fundamental nessa mediação e que a qualidade dos
relacionamentos de Tiffany vai mudar com isso.
Na prática, entendo que a minha
função pode chegar a ser de ego auxiliar para Tiffany, no sentido de fazer a
ponte entre ela e a concretude do que lhe acontece como consequência de suas
atitudes anteriores, como a procura dos homens em sua casa. Dessa forma, o
trabalho pode vir a ser de ajudá-la a receber e responder a estes estímulos
externos, até que ela dê conta de mudar a qualidade destas relações sozinha,
fazendo escolhas bem pensadas, maduras, e que sejam acréscimos em sua vida.
Considero importante envolver a
família no processo do acompanhamento terapêutico, no sentido de orientá-los a
conversarem com ela sobre o que ela tem sentido e de mostrarem que ela pode
contar com eles. A partir disso, espero mostrar o quanto o ambiente familiar
pode ser reconfortante e consolador, o quanto pode proporcionar outras
reverberações, que não a agressividade. Objetivo criar, desse modo, outras vias
que não o sexo com (des)conhecidos ou a troca de favores por interesse com Pat,
para Tiffany dissipar seu sofrimento.
Dessa forma, pode ser que o relacionamento com os pais dentro de casa melhore e
que eles incentivem e apoiem o que é proposto neste projeto.
Falando em outras vias para
dissipar o sofrimento, apostarei na dança como forma de Tiffany movimentar
corporalmente tudo que está engessado em seu corpo, como forma de expressão e
de libertação. Lembrei-me, aqui, de Artaud, quando este fala de um corpo em
estilhaços que se multiplica e se refaz em um novo corpo. Pretendo incentivá-la
a continuar praticando e, quem sabe, investir em aulas profissionais de dança.
As corridas com Pat também podem ser importantes neste sentido e pretendo,
igualmente, incentivá-las. Acredito que, correndo com o amigo, Tiffany poderá
dinamizar a energia em seu corpo, criar linhas de fuga por meio do exercício e,
ao mesmo tempo, criar um tipo de relação diferente das que está acostumada,
pelo prazer da companhia, pelos compartilhamentos de uma amizade saudável.
Por último, mas não menos
importante, apostarei na criação do vínculo para acompanhar Tiffany ao
psiquiatra e verificar se há necessidade de acompanhamento medicamentoso e, se
houver, conversar sobre uma maneira saudável de ela tomá-los, sem que isso
prejudique seu desempenho físico e visando sempre a diminuição das doses. Penso
que talvez seja interessante, também, incentivar a ida a terapia de Tiffany, no
sentido de ela, de forma independente e por querer se cuidar, sair de casa e se
movimentar para buscar ajuda.
Acredito que o projeto terapêutico
é um norteador da prática do acompanhamento terapêutico, flexível o suficiente
para se adaptar aos acontecimentos da ordem do imprevisível a que esta prática
está sujeita. Não pretendo, com o mesmo, mudar Tiffany e adequá-la a padrões
exigidos pelas pessoas a sua volta, mas sim ajudá-la a ressiginificar seu
próprio mundo, seus relacionamentos. Também gostaria de destacar a importância
de se discutir o projeto de Tiffany com ela mesma, para que ela se torne
sujeito ativo na construção de seu próprio tratamento, de sua própria história.
É Tiffany quem norteará o projeto através de suas potencialidades e limites.
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