quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

TRABALHO DE CONCLUSÃO DO 
CURSO DE CAPACITAÇÃO EM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO 2013

Um projeto terapêutico para a personagem Tiffany do filme - O lado bom da vida.


Aluna: Bárbara Maria Turci




Tiffany é uma mulher de 25 anos de idade que mora sozinha em um adendo da casa dos pais. Ela se tornou, recentemente, viúva e, a partir da morte do ex marido, teve problemas no trabalho e acabou sendo despedida. Após estes acontecimentos, seu círculo social se tornou mais restrito e Tiffany passou a ficar bastante agitada, agressiva e, de forma alternada com estes comportamentos, deprimida.
Desde então, seus pais estavam preocupados com o tipo de relacionamento que ela vinha estabelecendo, principalmente com homens. A partir, principalmente, destas preocupações, tomaram a iniciativa de me contratar enquanto Acompanhante Terapêutica. Segundo eles mesmos me disseram na entrevista inicial que tive com ambos, procurar um AT foi a última alternativa em que pensaram e foi fornecida pelo psicólogo da família após Tiffany não apresentar nenhuma adesão aos tratamentos, tanto à terapia quanto aos medicamentos. Também foram feitas tentativas de que Tiffany fosse vinculada à rede de atenção a saúde mental, mas estas opções “não pareceram se encaixar com o perfil dela”, como me disseram seus pais.
Tiffany apresenta uma história complicada com relação à perda do ex marido. Segundo seus pais relataram, Tommy e Tiffany não faziam sexo há um bom tempo e certa noite, para tentar “apimentar” a relação, ele saiu para comprar uma langerie. Na volta para casa, parou para ajudar um homem cujo carro havia quebrado, foi atropelado e faleceu. Após este acontecimento, Tiffany transou com todos os seus colegas de serviço e, após ter feito sexo com o chefe do seu departamento, foi despedida. Desde então, vários homens aparecem procurando-a em casa. Após o episódio da demissão, Tiffany se tornou agressiva com os pais, se mudou para um adendo da casa dos mesmos e transformou-o em um estúdio de dança, em que pratica com frequência, e em um quarto, onde ela dorme todas as noites. Seu círculo de relacionamentos passou a se restringir aos homens com quem sai, aos pais e à irmã e seu marido.
Como já mencionado, alternativas anteriores ao Acompanhamento Terapêutico já haviam sido tentadas: Tifanny ia a consultas semanais com o psicólogo da família e também frequentava regularmente um psiquiatra. Utilizava-se, também, de tratamento medicamentoso (Efexor e Xanax) para controle da depressão e da agressividade. A terapia e as visitas ao psiquiatra foram abandonadas porque Tiffany afirma não ter paciência. Ela abandonou o tratamento medicamentoso pelo fato de eles a deixarem lenta.
Após todas as informações obtidas na entrevista inicial com os pais, marquei um encontro com Tiffany na mesma casa (ela não me deixaria entrar no local em que de fato mora por ainda não ter confiança). Fiz o enquadramento do que seria meu trabalho com ela, explicando-lhe os motivos pelos quais seus pais haviam me chamado e ressaltando as diferenças entre o acompanhamento terapêutico e a terapia que ela já realizara. Tiffany se mostrou bastante esquiva e incomodada de ter alguém presente em sua rotina diária e, por isso, acordamos que eu iria vê-la uma vez por semana, inicialmente, e, se ela se sentisse confortável, poderíamos nos ver mais vezes, em ocasiões que ela se sentisse bem com isso.
Neste dia saímos para dar uma volta no bairro e ela me contou sobre como gosta de correr e que tem feito corridas junto com um amigo, Pat. Quando tento saber mais sobre ele, ela se mostra agressiva e diz que ele só está interessado porque ela vai ajudá-lo a entregar uma carta a sua ex-mulher. Pergunto por que ela acha isso e ela começa a me contar sobre seu relacionamento com outros homens, sobre como eles só a procuram por interesse, normalmente por sexo, e relata os vários episódios com os colegas do escritório. Tive a sensação de que ela estava tentando me assustar, já que quando não a julguei pelo que estava me contando, ela se tornou menos agressiva e me passou a me olhar com muita curiosidade.
Tiffany me contou, ainda, que tem planos de dançar em um concurso em que ela e Tommy iriam participar e que havia convidado Pat para dançar com ela. Explicou-me que ele só havia concordado por causa da carta, mas que ela havia mentido sobre entregar a mesma. Novamente de maneira muito agitada, até com o tom de voz bem mais alto, ela praticamente “grita” a história da morte de seu marido. Parece-me, de novo, que estava tentando me assustar e, quando não a julguei, mas acariciei seu ombro em um gesto de carinho, ela cedeu e ficou em silêncio.
Como projeto terapêutico de Tiffany, proponho, na realização do vínculo, estabelecer confiança suficiente para entrar em sua rotina e conseguir fazê-la compartilhar a dor de ter perdido o marido da maneira mais saudável que ela puder. Objetivo, aqui, ajudá-la na elaboração do luto de Tommy. Acredito que Tiffany se sente culpada pela morte do ex marido e se martiriza muito pelo fato de não ter feito sexo com ele por muito tempo e de não ter podido se despedir, o que pode ter justificado seu comportamento com os colegas do serviço. Acredito que a pretendida elaboração irá acontecer a medida que Tiffany puder conversar sobre a morte de Tommy ocupando um lugar apenas de ex esposa que sofre pelo luto, sem a obrigação de ser forte, sem se culpar, mas sendo livre para sentir sem ser julgada ou reprimida.
Pretendo ajudá-la no relacionamento com os homens que continuam procurando-a. Objetivo mostrar para ela que há outras opções de relacionamento com eles, de amizade, por exemplo, e explicitar que ela não precisa transar com todos os homens com quem sai para que eles gostem dela e, dessa forma, eles não ficarão interessados nela apenas para fazer sexo, mas por outras características suas. Concomitante a isso, pretendo mediar a relação com Pat, que parece ser bastante importante para Tiffany. Farei com que ela perceba que a relação com ele não precisa ser puramente de interesse na carta ou na dança, mas que eles possam aproveitar a companhia um do outro de maneiras diferentes e que não envolvam apenas seus problemas. Acredito que conhecer Pat seja fundamental nessa mediação e que a qualidade dos relacionamentos de Tiffany vai mudar com isso.
Na prática, entendo que a minha função pode chegar a ser de ego auxiliar para Tiffany, no sentido de fazer a ponte entre ela e a concretude do que lhe acontece como consequência de suas atitudes anteriores, como a procura dos homens em sua casa. Dessa forma, o trabalho pode vir a ser de ajudá-la a receber e responder a estes estímulos externos, até que ela dê conta de mudar a qualidade destas relações sozinha, fazendo escolhas bem pensadas, maduras, e que sejam acréscimos em sua vida.
Considero importante envolver a família no processo do acompanhamento terapêutico, no sentido de orientá-los a conversarem com ela sobre o que ela tem sentido e de mostrarem que ela pode contar com eles. A partir disso, espero mostrar o quanto o ambiente familiar pode ser reconfortante e consolador, o quanto pode proporcionar outras reverberações, que não a agressividade. Objetivo criar, desse modo, outras vias que não o sexo com (des)conhecidos ou a troca de favores por interesse com Pat,  para Tiffany dissipar seu sofrimento. Dessa forma, pode ser que o relacionamento com os pais dentro de casa melhore e que eles incentivem e apoiem o que é proposto neste projeto.
Falando em outras vias para dissipar o sofrimento, apostarei na dança como forma de Tiffany movimentar corporalmente tudo que está engessado em seu corpo, como forma de expressão e de libertação. Lembrei-me, aqui, de Artaud, quando este fala de um corpo em estilhaços que se multiplica e se refaz em um novo corpo. Pretendo incentivá-la a continuar praticando e, quem sabe, investir em aulas profissionais de dança. As corridas com Pat também podem ser importantes neste sentido e pretendo, igualmente, incentivá-las. Acredito que, correndo com o amigo, Tiffany poderá dinamizar a energia em seu corpo, criar linhas de fuga por meio do exercício e, ao mesmo tempo, criar um tipo de relação diferente das que está acostumada, pelo prazer da companhia, pelos compartilhamentos de uma amizade saudável.
Por último, mas não menos importante, apostarei na criação do vínculo para acompanhar Tiffany ao psiquiatra e verificar se há necessidade de acompanhamento medicamentoso e, se houver, conversar sobre uma maneira saudável de ela tomá-los, sem que isso prejudique seu desempenho físico e visando sempre a diminuição das doses. Penso que talvez seja interessante, também, incentivar a ida a terapia de Tiffany, no sentido de ela, de forma independente e por querer se cuidar, sair de casa e se movimentar para buscar ajuda.
Acredito que o projeto terapêutico é um norteador da prática do acompanhamento terapêutico, flexível o suficiente para se adaptar aos acontecimentos da ordem do imprevisível a que esta prática está sujeita. Não pretendo, com o mesmo, mudar Tiffany e adequá-la a padrões exigidos pelas pessoas a sua volta, mas sim ajudá-la a ressiginificar seu próprio mundo, seus relacionamentos. Também gostaria de destacar a importância de se discutir o projeto de Tiffany com ela mesma, para que ela se torne sujeito ativo na construção de seu próprio tratamento, de sua própria história. É Tiffany quem norteará o projeto através de suas potencialidades e limites.




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