terça-feira, 26 de maio de 2015


Trilhas Filosóficas 2015
Curso Deleuze e Guattari.
Esquizoanálise
Informações pelo telefone 3214-1337

segunda-feira, 23 de março de 2015

Na quinta-feira dia 09/04, irá acontecer o primeiro "Diálogos" da Clinica Trilhas.
Confirme sua presença pelos telefones: 3214-1337 ou 9662-4430.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Confiram abaixo os criativos trabalhos de conclusão dos alunos no 10º Curso de Capacitação em AT realizado pela Trilhas!


Projeto terapêutico para Getúlio



Brasília - DF, 06 de janeiro de 1954
Residência de Hugo Mendes, no caso eu, que vos conto essa história.
           
            - Correspondência! Há tempos não recebo correspondências!

Prezado Sr. Hugo Mendes.
         Envio este com o propósito de marcar um encontro para tratarmos de negócios. Sei que há tempos não faz mais acompanhamentos terapêuticos, mas acredito que você seja a pessoa mais indicada para o que preciso, além de saber também que as "coisas" na pastelaria estão de mal a pior, o que lamento profundamente. Sendo assim, te aguardo na próxima segunda, às 9h, no Café Central, mesa 17. Sem atrasos, por gentileza. Lá falaremos sobre os detalhes.
Cordialmente,
Alzira.
           
            Receber uma correspondência intrigante como essa, em plena sexta-feira, não é fácil para uma pessoa ansiosa, talvez neurótica, como eu. Há quanto tempo não pensava em Acompanhamento Terapêutico? Será que ainda tinha condições de trabalhar nessa área depois de nove anos atrás de um balcão? Tá certo que as coisas não andavam muito bem financeiramente, mas com certeza fritar pastéis era muito mais seguro. Fora o fato de que nem sabia quem era essa Alzira. Pra ser sincero, nem sabia mais o que seria do meu fim de semana, considerando que isso não sairia da minha cabeça até o tal encontro. Acompanhamento Terapêutico é algo que mexe muito comigo.
            Eis que às 9h em ponto estava eu na mesa 17 do Café Central. Logo após, senta-se uma mulher, na faixa dos 30 e poucos anos, na minha frente. Muito prazer, Sr. Hugo, sou Alzira. Alzira Vargas. Meu mundo caiu. Alzira Vargas só existia uma, ainda mais no Rio de Janeiro da década de 50: era a filha do Presidente Getúlio. Mas pra quê uma mulher tão imponente e segura de si precisava de Acompanhamento terapêutico?
- Bom, serei direta, não pense que é pra mim. É pro meu pai.
- Pro seu pai???? Getúlio????
Sou o tipo de pessoa que exagera em expressões faciais quando me sinto chocado.
- Sim, e quem mais seria?
- Desculpe a indelicadeza, Sra. Alzira, mas o presidente Getúlio não me parece precisar de um acompanhante terapêutico, talvez de uma enfermeira, se pensarmos na sua idade, mas isso é outra história.
É incrível como falo demais.
- Agradeço sua opinião, apesar da irrelevância dela. Vou listar alguns pontos que me trouxeram até o senhor, pra que possamos conversar de maneira mais clara. É interessante que sejamos rápidos, tenho muito trabalho hoje. Bom, creio que deve saber que meu pai está com 72 anos de idade e ainda assim insiste em permanecer envolvido com política. Ele está cansado e não aceita parar. O que quero é simples: preciso que dê um jeito de tirá-lo o quanto antes desse meio. Ele precisa sair de casa, pensar em outras coisas. Viajar para descansar, quem sabe. Ou morrerá.
- Simples?
- Simples para você, acredito. Aceita minha proposta?
Pensei em fazer um charme, mas aceitei no mesmo instante:
- Hoje mesmo irei até a casa de vocês, falei. Às 13h. Proponho que me convide para almoçar.
            E foi nesse contexto que tudo começou. Pra ser sincero, não fui bem recebido por Getúlio, que nem sequer quis saber meu nome. Apresentei-me mesmo assim. Percebi que era um senhor muito ativo mentalmente, apesar de debilitado no sentido físico. Raciocínio rápido e lógico, concentrado, atento e com uma capacidade fantástica para resolver conflitos. Nunca vi tanto problema durante um almoço. Senti até saudades dos almoços na casa da vovó.
            Alzira deixou claro para o pai os motivos de eu lá estar. “É tipo um amigo comprado?”, ele perguntou. E foi assim que, aos poucos, fui conhecendo Getúlio. Era um senhor de postura curvada, já precisando de ajuda na realização de suas atividades diárias, apesar de isso o incomodar muito. Não havia aceitado sua decadência física justamente por compará-la à sua capacidade mental. Há muito tempo não saía de casa, a não ser em momentos extremamente necessários ou que envolviam sua prática política. Preferia ficar distante dos embates com Carlos Lacerda, seu inimigo político que, como dizia, “era o mais esperto de todos”.
            No último ano, disse Alzira que o pai reduziu significativamente seus contatos pessoais. “Fala mais comigo agora. Os meninos vêm visitá-lo e passeiam pelo jardim”. Foi aí que propus minha primeira intervenção: que pudéssemos caminhar, eu e Getúlio, diariamente e por 1 hora, pelo jardim do Palácio do Catete. Minha ideia inicial era conhecer esse lugar, estava super curioso, brincadeira: era estabelecer um vínculo que até então não havia se estabelecido, devido à personalidade forte e fechada do presidente. Para tirá-lo de casa e dessa zona de conforto, eu precisava oferecer mais confiança.
            Após dois meses de longas conversas e um possível início de amizade, Getúlio se diz cansado dessa vida que, para ele, “se tornou um mar de mentiras e corrupções. Não por minha culpa, Hugo, mas pela oposição. É muito frustrante passar uma vida toda se dedicando ao povo, aos problemas do seu país e ver esse mesmo povo contra você. Ninguém sabe o que enfrentei e tenho enfrentado nos últimos meses”.
            Não posso dizer que me senti feliz com o que veio após essa conversa, mas foi o suficiente para criar o vínculo que até então procurava um lugar para poder se firmar: num tropeço pelo jardim, Getúlio foi ao chão. Fui ajudá-lo, porém ele negou. Ao tentar levantar, o presidente percebeu que não conseguiria sem meu apoio. Foi através de uma troca de olhares que me pareceu constrangedora num primeiro momento, mas que rapidamente se transformou em um pedido íntimo de ajuda que Getúlio estendeu o braço em minha direção. Eu o levantei e, talvez num ímpeto de sentimento, fui abraçado. Nada mais que dois segundos, mas desde esse dia os caminhos se direcionaram em outros sentidos.
            Já era meio de Maio quando o convenci a sair de casa – intervenção número dois. Numero as intervenções principais por acreditar na necessidade de expô-las para sustentar minha prática enquanto acompanhante terapêutico. Por vários momentos me vi envolvido sentimentalmente por Getúlio e pasmem, se ele se candidatasse de novo, eu até faria campanha. Homem bom, comunicativo, líder e um excelente pai. Mas ali eu era seu acompanhante, contratado por sua filha para a realização de um trabalho. Trabalho este, inclusive, que começava a dar o retorno esperado até mesmo por mim, que até então me sentia desacreditado da possibilidade de levar essa proposta adiante. “Ô homem teimoso!”, eu dizia pra mim mesmo e às vezes para ele, que apenas sorria.
- Seu Getúlio, amanhã nós vamos dar uma volta pelo centro da cidade. O que acha de caminharmos fora do Palácio do Catete, pelas ruas do Rio que cada vez mais se modernizam? É obra do seu Governo, Seu Getúlio, o senhor tem que ver!
- Hugo, não precisa vir com essa conversa de que é obra minha e blá blá blá, eu já sei disso. Podemos sair sim, mas quero ir à praia. E tenho uma condição.
- Qual?
- Vou disfarçado. Não dá pra sair na rua de mim mesmo, concorda?
            Eu já havia pensado nisso, mas achei que seria muita intromissão da minha parte oferecer essa possibilidade. Mas confesso que achei Getúlio muito saidinho e perspicaz por pensar nisso. Não me surpreendi, mas achei inovador, tratando-se de um presidente. De 72 anos, diga-se de passagem.
- Mas como ir disfarçado na praia, Seu Getúlio? De sunguinha? Ri muito por dentro.
- Muito me espanta você ser tão restrito assim, meu filho. Já ouviu falar de caminhadas pela orla?
Opa! Me chamou de meu filho??? A coisa tá ficando boa.
- Certo, Seu Getúlio. 8h30 em ponto estarei na porta. Ansioso pelo seu disfarce.
- Aguarde e confie, disse ele.
            Como marcado, às 8h30 eu já estava aguardando o presidente na porta do palácio. Vejo então Alzira vindo em minha direção, com um sorriso no rosto, acompanhada de um senhor vestido de paletó, calça e sapatos brancos, um chapéu na cabeça e uma camisa vermelha listrada de branco por baixo: Eu sempre quis me vestir de malandro! Mas não conte pra ninguém, foi uma luta transformar os malandros da década passada em trabalhadores. Ô classe complicada! Mas fala que não fiquei elegante?
- Elegante e discreto, né, Seu Getúlio? Ninguém vai nos notar, hahaha. Brincadeira. Ficou ótimo, não é mesmo, Alzira?
- Sim. Papai até rejuvenesceu. Agora vão e aproveitem!
            E foi a partir desse dia que tudo mudou. Quando saímos pelas ruas do Rio, Getúlio teve acesso a uma liberdade até então guardada dentro de sua memória. Há anos não podia caminhar ou ir até outros lugares sem ser notado ou sem vários seguranças. Ficamos por 20 minutos sentados em frente ao mar de Copacabana e em silêncio. Percebi seus olhos marejados de lágrimas. Parecia feliz.
            A minha proposta era que ficássemos, naquele dia em especial, por 1h andando entre algumas ruas e pela orla de Copacabana. Getúlio estava cansado e não podia exagerar. Andamos pouco, dividimos nosso tempo entre a praia e um botequim na esquina da Siqueira Campos. Tomei um café com leite e Seu Getúlio, quase todo o tempo de cabeça baixa, um pão com margarina na chapa e um café preto. Até parecia um homem simples.
            Como a rotina de caminhar diariamente por algumas ruas do Rio me parecia muito cansativa para o presidente, propus a última intervenção, em junho daquele ano: que revezássemos entre caminhadas no palácio e caminhadas pelas ruas da cidade. E que essas caminhadas fora da cidade pudessem ser direcionadas, como visitas em locais que agradassem-no, ou cafés e alguns bares específicos, enfim, para que assim pudéssemos nos relacionar com o meio de maneira mais efetiva, uma vez que até então estávamos disponíveis às várias possibilidades que a cidade pode oferecer.
            Nessa época as coisas não andavam muito bem entre Getúlio e Lacerda. O presidente estava completamente absorvido por problemas políticos e só continuei o acompanhamento pelo fato de que ele mesmo fazia questão das nossas caminhadas. Dizia que era a hora de ser ele mesmo. A família apoiava nossas saídas, mas todos estavam preocupados com sua saúde e com o rumo que sua carreia política iria tomar. Getúlio não era homem de perder.
            Certo dia, não me lembro a data, estávamos no Bar Tradicional, na Delfim Moreira - já tínhamos nos enjoado de Copacabana, partimos pro Leblon - e um debate político estava acontecendo. Ficamos apenas observando e, infelizmente, a maioria dos que ali estava eram contra Getúlio. Ouvimos absurdos com o nome do presidente, que permaneceu em silêncio e de cabeça baixa o tempo todo. Queriam que saísse do poder o quanto antes. Que antigamente era bom, mas que agora não passava um "velho gagá" autoritário. E por aí foi.
            Quando saímos, Getúlio nada disse. Tentei falar que isso era normal num ambiente de oposição e que ninguém melhor do que ele pra saber disso. Mas percebi que ficou em conflito consigo mesmo. No outro dia não quis me ver. Conversei com Alzira, que disse que o pai não saiu do quarto, e passou o dia vendo televisão e os noticiários sobre seu governo. Ela estava preocupada.
            Não quis insistir no nosso encontro naquele dia. Me lembrei de algumas conversas em que o presidente dizia estar vivo por ser bem quisto pelo povo. Nos últimos meses suas práticas no governo foram atacadas por diversos setores sociais e até mesmo por alguns sindicatos. Getúlio se mostrava mais frágil nesse sentido. Não aceitava a rejeição popular. Houve também o atentado de seu capanga contra Lacerda, que piorou toda a situação.
            Dois dias após o ocorrido caminhamos pelo palácio. Era dia 23 de agosto de 1954, não posso me esquecer. Getúlio disse que ia sair da política de vez, mas de cabeça erguida. Que havia compreendido qual seu papel enquanto presidente da república nos seus dois mandatos e que já era hora de encerrar seu trabalho. E que nossas caminhadas e saídas pela cidade haviam sido muito esclarecedoras para que ele tomasse essa decisão.
- É hora de encerrar minha vida política, Hugo.
- Concordo com o senhor, Seu Getúlio. Na verdade, apoio a decisão que tomar. Acredito que é hora de se dedicar à família, às caminhadas, aos amigos...
- Será possível?
- Claro que sim! O senhor fez muito pelo Brasil, agora precisa descansar.
- Eu vou descansar. Mas antes quero entrar de verdade para a história desse país!
- Mais, Seu Getúlio?
- Sim, mais.
- E como?
            O presidente apenas me deu aquele sorriso de lado, depois um abraço e se despediu. Senti que o acompanhamento terapêutico tinha acabado ali. Eu estava bem, com a consciência de um trabalho realizado de maneira coerente. Há tempos não fazia isso, me parecia a primeira vez. Voltei pra casa e me dei conta de como eu havia me envolvido com tudo aquilo. O que seria do presidente? Como o povo reagiria à sua saída da presidência? Seria uma vitória e tanta para a oposição: fazer com que Getúlio deixasse seu cargo, mostrando ao povo que fracassou enquanto presidente da República.
            No outro dia acordei mais tarde que o normal, às 9h. Fui até a varanda pegar o jornal e notei uma certa correria pelas ruas. Algo estava acontecendo, mas nada havia naquela papelada toda em minhas mãos que me explicassem o que era. Foi quando escutei alguém passando na porta e falando, num tom mais alto: O presidente Getúlio se matou.
            Fiquei em choque. Não pude acreditar no que ouvi e achei quase engraçado. Me troquei rapidamente e saí pelas ruas a procura de informações. Não demorou muito e já sabia de tudo: Getúlio foi pressionado a madrugada toda por generais, almirantes e brigadeiros para que renunciasse. Às 4 da manhã teve uma reunião de emergência com assessores e Alzira. Às 8h se matou com um tiro.
            Ele deixou uma carta ao povo brasileiro. Uma linda carta, inclusive. Nela, Getúlio expôs seus anseios e realizações para e com o povo de maneira genial: colocou seus sentimentos à tona, mas racionalmente. O presidente era assim, sabia lidar com todos, era flexível. Flexível para perceber, de acordo com Alzira, que me contou dias depois, que após nossas saídas e conversas o pai pode se enxergar através de mim, das conversas que escutamos, do povo nas ruas e de sua própria família. O presidente estava aberto. Aberto até mesmo para a morte.
            E após ler sua carta tive a certeza de que desde nossa última conversa Getúlio já sabia o que faria. Ele iria se matar e estava tranquilo com relação a isso. Cheguei a me sentir quase seu confidente quando li sua última frase: Saio da vida para entrar na história. Era esse o 'mais' que eu perguntei quando nos despedimos. Getúlio sabia que pra entrar, de fato, pra história do Brasil, enquanto um presidente que poderia chegar a ser até mesmo considerado um herói do povo brasileiro, precisava morrer.
            Entendi que quando o presidente disse que era hora de encerrar sua carreira política queria dizer que era hora também de encerrar sua vida. Há uma certa coerência se pensarmos naquilo que considerava enquanto prioridade. A vida de Getúlio era a política. Ou a política era a vida de Getúlio. Ele não saberia viver sem ela. E, com certeza, ela nunca mais seria a mesma sem ele.


Hugo Mendes Miranda

Projeto terapêutico para Simão Bacamarte




Projeto criado pelo aluno Rafael Venturini da Silva - Dezembro de 2014


É a primeira noite que passo em Itaguaí, e estou animado novamente depois dos últimos reveses. Já a tempos procuro ter uma conversa com Simão Bacamarte, desde o momento que um grande amigo me informou do grande médico que viera de Coimbra para tratar de moléstias da mente.
Por ocasião de questões familiares não pude ir de pronto conhecê-lo, tive que ficar por volta de três meses na casa de meus parentes no Rio de Janeiro. Durante a estadia ouvi boatos a respeito de sua mulher, D. Evarista, e a comitiva que a acompanhara tempos atrás, porém, aos poucos foram surgindo muitas falas desencontradas a respeito do próprio Bacamarte: uns diziam que ele estava usurpando da sua função para benefício próprio, já também se ouvia sobre sua imparcialidade no trato com as questões científicas, tendo ele trancado sua própria mulher e amigo dentro de sua casa de Orates. Com o passar do tempo elas ficaram cada vez mais confusas, se falava de revoltas que tomaram a câmara de Itaguaí, de que ele aprisionou mais de metade da população em seu edifício e que depois, repentinamente, soltou todos.
Apesar de tudo, ouvir esses fatos não me desanimou a ir de encontro ao médico, entretanto, no dia em que estava tomando rumo para Itaguaí, dou-me com a notícia que ele decidirá trancar-se dentro da Casa Verde para tratar-se, isso já fazia meses, e não parecia ter novas notícias dele. Essa informação me abalou prontamente, fiquei durante toda viagem remoendo ela, mas como já tinha me implicado suficiente nessa empreita decidi não abandoná-la.
Ao chegar hoje cedo em Itaguaí fui tentar encontrar sua mulher e outras pessoas que tiveram maior contato com o médico. Acabei encontrando-a na casa de Crispim Soares, boticário e amigo de Bacamarte, lá ela tomava café da manhã com Crispim e sua mulher, aproveitando a ocasião me apresentei, falei de minha formação médica, no meu interesse no estudo das moléstias nervosas e que vim para tentar captar algo dos ensinamentos de Simão Bacamarte.
Apresentando minha proposta logo vi certo desconforto por parte de todos, que ficaram em silêncio na sala. Porém sua mulher interrompeu sua mudez para tentar contar toda história que ocorrera desde o início da Casa Verde, e tenho que confessar que o que ela, e em menor parte Crispim, me contaram daria um bom conto nas mãos de alguém talentoso.
Ainda decidido a saber mais sobre Bacamarte e suas idéias fui ter uma conversa com padre Lopes, que além de ser um grande amigo íntimo também era alguém com quem ele travava conversas sobre suas idéias. Fiquei surpreso em saber que ele também fora um de seus pacientes, acabei até mesmo perguntando sobre detalhes de seu tratamento.
Ouvindo o relato do Padre fiquei entusiasmado novamente em conhecê-lo, também fiquei prestando atenção na cidade, vendo se os habitantes dela tinham alguma marca do tempo em que foram tratados por Bacamarte. Tive uma impressão que os habitantes realmente parecem mais destemperados por essa banda em relação a outras que já visitei por perto, mas me acho em uma situação frágil para dizer isso, já que só conheço a cidade por um dia, e esse destempero percebido pode ser um mero desejo meu de ver minhas crenças corroboradas pela realidade.
Acabei não almoçando, só comendo à noite na hospedaria em que me encontro, passei toda a tarde conversando com os barbeiros da cidade, pessoas notáveis e membros da câmara. A cada relato me fascino cada vez mais com a história que essa cidade leva, porém sinto que vou encontrar um paciente ao invés de um mestre quando encontrar Bacamarte.
Vou visitar a Casa Verde amanhã, não sei o horário ainda, espero que ocorra tudo certo.

****

Acabo de chegar de um encontro que tive com D. Evarista, Acabo de lhe contar como foi o encontro com seu marido logo pela manhã, ela se emocionou e chegou até a chorar em um momento. Em sua tristeza diz não saber o que fazer, que tem saudades e tem medo que algum ruim lhe aconteça. Acalmo-a, digo que planejo ficar lá por mais um tempo, meses penso eu, falo que a situação dele não é tão grave, que passa o dia inteiro a estudar buscando a cura para si. Ao me despedir dela, até vir aqui escrever em meu diário, fiquei pensando no que fazer com o que vi hoje.
Ao chegar de manhã na Casa Verde bati à porta mas não fui atendido, andei por um bom tempo ao redor do local até perceber um vulto em uma janela, fiquei gritando em direção a ela para ver se alguém me escutava, depois de um tempo ela caba se abrindo, aparecendo a figura de Simão Bacamarte. Peço um tempo para falar com ele, a princípio se nega, diz estar ocupado, insisto, falo de meus propósitos e do interesse em comum que temos sobre as moléstias, com muita insistência me deixa entrar e conversamos por quase uma hora.
Lá me explica sobre suas teorias psicológicas e sobre a moléstia que lhe atinge, confesso que acho sua visão um tanto romântica, a de ver o equilíbrio como algo patológico, o espanto é maior vindo de alguém altamente equilibrado. A conversa foi agradável, mas uma hora me pede para sair já que deseja continuar com sua pesquisa.
Agora me vejo em uma situação em que concordo e discordo de Bacamarte. Concordo com sua ideia de que o desequilíbrio seja algo saudável, apesar de ter um certo receio em aceitar totalmente essa premissa, talvez nos próximos encontros que tivermos eu possa conhecer mais sua proposta. De outro lado percebo em mim uma certa prontidão em ajudá-lo, mas acho que o caminho que tem trilhado até agora para tratar de sua moléstia pode não ser o melhor, não sei o quanto ele é capaz de mudar suas características ficando confinado em seu escritório.
Outra coisa me chamou bastante atenção: não seria seu descaso com a esposa e amigos algo que apresenta um certo desequilíbrio de seu caráter? Talvez sua teoria possa ter algum furo, afinal de contas ele já a modificou anteriormente, talvez faça isso novamente.
Espero que de tempo suficiente de aprender e ajudar-lo. Penso em propor que ele entre em contato com o mundo exterior aquelas paredes que ele está enclausurado, já que estar lá não o tem ajudado em nada. Também é preciso prestar alguma ajuda a sua esposa, não sei o quanto estar ligado a um homem que parece estar alheio ao mundo e a ela pode acarretar um mal a sua alma.

Mas por hoje espero conversar mais com os outros habitantes da cidade para conseguir maiores informações sobre o caso, amanhã visito-o novamente, vou tentar propor aos poucos sua saída, caso não aconteça, tentarei propor a alguns habitantes, talvez a própria D. Evarista, que o visitem, se isso não o ajudar em sua cura pelo menos vai lhe propiciar maior cuidado.

Um projeto terapêutico para Elsa




Projeto criado pela aluna Sandra Regina Vasconcelos - dezembro 2014

A trama conta a história de duas irmãs chamadas Elsa e Anna, que eram completamente grudadas quando pequenas. Elsa, a irmã mais velha, nasceu com um poder sobrenatural. Um poder de controlar a neve, o poder do gelo. Porém, Anna, a irmã mais nova, nasceu normal.

Em uma manhã, Anna levanta da cama e acorda Elsa para as duas irem a sala brincar. Anna ama as brincadeiras e a neve que a Elsa faz. No meio dessa brincadeira, Elsa escorrega e acaba afetando a cabeça de Anna com um raio de gelo. Elsa desesperada ao ver sua irmã caída desacordada, grita pelos seus pais. Essa brincadeira que quase acabou com a vida de Anna, fez com que o Rei e a Rainha ordenassem para fechar os portões por tempo indeterminado, para que ninguém descobrisse o poder de Elsa. A partir desse dia, Elsa perdeu totalmente o contato com a irmã após o acidente, ficando somente trancada em seu quarto durante anos. 


Anna, a irmã mais nova, é divertida, alegre, às vezes boba, desastrada e frívola, mas no fundo cultiva um grande amor pela irmã mais velha, por quem se sente abandonada e se angustia por não compreender a retirada súbita do afeto que a irmã mais velha nutria por ela quando eram crianças pequenas. Seus poderes, apesar de belos, podem ser muito perigosos se não forem precisamente controlados. Elsa, após tanto tempo isolada de tudo, por vezes vê seus poderes como uma desgraça e apresenta sentimentos e pensamentos confusos e contraditórios apesar da calma e do autocontrole que aparenta ter.

O contato com a AT (acompanhante terapêutica) foi feito por uma amiga da família que não agüenta mais ver a irmã mais nova de Elsa implorar na porta do quarto para que a irmã viesse brincar com ela, e a constante tristeza estampada no rosto dos pais, por estar em uma situação que até o momento para eles era insolúvel. A AT fez o primeiro contato com a família em uma tarde de domingo chuvosa. Estavam todos ali presente, o pai, a mãe, a irmã Ana e Elsa trancada. Após se apresentarem, a mãe se mostra surpresa com a atitude da amiga, mas com ar de expectativa do que poderia vir a ser esse “tal” AT. Com muita sutileza a AT foi explicando as possibilidades de desempenhar um trabalho de acompanhamento terapêutico junto aquela família, promovendo a Elsa um processo de autodescoberta bastante complexo, em busca não somente do controle de seus poderes, mas também do controle de suas emoções e sentimentos. Objetivava a reintegração das relações, voltando a ser como eram antes do acidente, felizes.  Era notável naquele rosto sofrido um arzinho de esperança. Logo a AT oferece em fazer um breve contrato de trabalho, três meses, deixando claro que este acompanhamento seria inicialmente apenas dois encontros semanais de uma hora cada e seus receptivos valores a serem pagos no final de cada mês. Foi firmado que após este tempo, caso necessário, fariam um novo contrato. Foi então marcado o encontro para a próxima terça-feira, às 14 horas. Ambos agradeceram e foram embora!




Malévola


Projeto criado por Gabriela Thais Oliveira - dezembro de 2014


Malévola é uma fada poderosa que vive em um brejo mágico fronteiriço a um reino humano. Quando jovem ela se apaixona por Stefan, um camponês cujo amor que sentia por Malévola foi suprimido pela ambição. Ainda quando bem jovens eles se separam, e Stefan volta para encontrá-la tempos depois. Em uma batalha, após Malévola derrotar o rei, este anuncia que quem matá-la será nomeado o novo rei de seu reino. Stefan, ambicioso, sonhava em ser rei, aproxima-se então de Malévola e ao invés de matá-la, arranca suas asas, e as leva ao rei. Depois dessa essa traição, tudo muda para Malévola, ela constrói um reino de escuridão e torna-se uma fada má, amarga, arrogante e com sede de vingança. Por não ter mais asas, toma um corvo como seu “capacho”, transformando-o em vários animais sempre que necessita.

            Dieval, o corvo, é quem contrata os serviços da A.T. A princípio Malévola não concorda, pois acredita que não precisa de ajuda, mas é Dieval que a convence de pelo menos receber  a AT uma vez para saber como será. Ao chamar a AT, Dieval conta que desde que Malévola foi traída por Stefan, ela mudou-se completamente, fixando-se apenas neste fato do passado, tudo girava em torno disso, Malévola não conseguia um dia sequer não pensar ou não falar sobre o ódio que sentia por Stefan, esse ódio transformou seu mundo em um lugar escuro e triste. Mas o que mais estava preocupando Dieval, era que de uns tempos pra cá, essa fixação estava mais forte ainda, e Malévola passava todo o seu tempo planejando planos mirabolantes para vingar-se de Stefan.
            O primeiro encontro com Malévola se deu em sua casa, onde ela estava em um quarto totalmente sem iluminção, que não dava se quer para vê-la dentro. A at, a convidou para que saísse com ela pelo seu reino pois queria conhecê-lo, e enquanto isso conversassem um pouco. Como previsto, Malévola não aceitou. A at então, perguntou se podia entrar no seu quarto, sem ter resposta, ousou-se a entrar. Nesse quarto escuro se deu o primeiro encontro, o qual teve alguns diálogos:
AT: Oi, já que não quer me apresentar seu reino, vou ficar aqui com você.
Malévola: Qual o motivo de querer conhecer meu reino? Um reino escuro, sombrio e cheio de maldade?  Você está mentindo ao dizer que quer conhecê-lo.
AT: Mas não foi isso que eu notei nos lugares que passei até chegar aqui. Realmente a maior parte que vi é escura e sombria, mas também pude ver outras coisas como flores e passarinhos verdes.
Malévola: No meu reino não tem essas coisas com cores, certamente não foi aqui que você viu isso.
Responde, com toda arrogância.
AT: Ahhhh, foi aqui sim. Inclusive bem próximo à sua casa encontrei com vários pássaros coloridos cantando.
Malévola: Não, no meu reino não. Ele não foi criado para isso. Aqui não prosperam pássaros. Aqui só vivem os pássaros negros e amaldiçoados.


A AT insiste em dizer que havia encontrado outras coisas, mas Malévola se irrita e diz em voz alta:
__Ninguém conhece este reino tão bem quanto eu, fui eu quem o criou assim e sei cada pedaço que ele tem . Ele é todo negro e não cabe nenhuma outra cor. Gosto dele escuro, e por isso nunca terá luz ou qualquer colorido.

            Depois desse momento, não teve nenhuma outra conversa por parte de Malévola. A AT foi embora e disse que voltaria para que elas continuassem a conversar.
              Outras sessões se deram, e a cada vez ficava mais claro para a AT a forma que Malévola via o mundo. Seus discursos giravam sempre em torno do ódio e da vingança. O vínculo terapêutico foi se dando gradativamente, e cada vez se fortalecendo mais.

              Agora Malévola já saia do quarto, e já havia passeado com a AT em algumas partes do reino. A desconfiança que sentia de todos também era clara, mas a AT notava que em alguns momentos Malévola amolecia um pouco, deixando escorrer algumas lágrimas que rapidamente eram secas, demonstrando de certa forma, confiança em expor sentimentos como a tristeza, na opinião da AT.
            A AT determinou como objetivo ajudar Malévola a focar sua atenção e energia em outras coisas, pois tudo em sua vida era focado na traição do passado.  Desta forma traçou o seguinte projeto:

- Passeios por outros reinos, duas vezes por semana, a fim de que pudesse conhecer outros lugares, e quem sabe entreter-se com alguma coisa ou alguma pessoa. Esses passeios também proporcionariam que ela tivesse contato com outros ambientes, diferente do que estava vivendo há 16 anos, visto que esses reinos que seriam visitados são coloridos e alegres, podendo despertar a vontade de transformar seu reino em um lugar mais agradável.
- Participação em festas, com objetivo de conhecer outras pessoas e ver o comportamento destas, pois desde a traição, Malévola havia transformado todos do seu reino em pessoas como ela, amargas e arrogantes. Nem o que era um sorriso, ela não se lembrava mais.

- Criação de escritos, livros ou poesias. Desta forma, ela estaria achando uma forma de descarregar sua raiva e ódio, e explorando um talento que já havia demonstrado ter. Além do mais, seria uma forma de ocupar o tempo com uma atividade produtiva e, também de ressignificar partes da sua história do passado, escrevendo-a de outra forma.