Projeto criado pelo aluno Rafael Venturini da Silva - Dezembro de 2014
É a primeira noite que passo em Itaguaí, e estou animado
novamente depois dos últimos reveses. Já a tempos procuro ter uma conversa com Simão Bacamarte, desde o momento que um grande amigo me informou do grande
médico que viera de Coimbra para tratar de moléstias da mente.
Por ocasião de questões familiares não pude ir de pronto
conhecê-lo, tive que ficar por volta de três meses na casa de meus parentes no
Rio de Janeiro. Durante a estadia ouvi boatos a respeito de sua mulher, D.
Evarista, e a comitiva que a acompanhara tempos atrás, porém, aos poucos foram
surgindo muitas falas desencontradas a respeito do próprio Bacamarte: uns
diziam que ele estava usurpando da sua função para benefício próprio, já também
se ouvia sobre sua imparcialidade no trato com as questões científicas, tendo
ele trancado sua própria mulher e amigo dentro de sua casa de Orates. Com o
passar do tempo elas ficaram cada vez mais confusas, se falava de revoltas que
tomaram a câmara de Itaguaí, de que ele aprisionou mais de metade da população em seu
edifício e que depois, repentinamente, soltou todos.
Apesar de tudo, ouvir esses fatos não me desanimou a ir de
encontro ao médico, entretanto, no dia em que estava tomando rumo para Itaguaí,
dou-me com a notícia que ele decidirá trancar-se dentro da Casa Verde para
tratar-se, isso já fazia meses, e não parecia ter novas notícias dele. Essa informação
me abalou prontamente, fiquei durante toda viagem remoendo ela, mas como já
tinha me implicado suficiente nessa empreita decidi não abandoná-la.
Ao chegar hoje cedo em Itaguaí fui tentar encontrar sua
mulher e outras pessoas que tiveram maior contato com o médico. Acabei
encontrando-a na casa de Crispim Soares, boticário e amigo de Bacamarte, lá ela
tomava café da manhã com Crispim e sua mulher, aproveitando a ocasião me
apresentei, falei de minha formação médica, no meu interesse no estudo das
moléstias nervosas e que vim para tentar captar algo dos ensinamentos de Simão Bacamarte.
Apresentando minha proposta logo vi certo desconforto por
parte de todos, que ficaram em silêncio na sala. Porém sua mulher interrompeu
sua mudez para tentar contar toda história que ocorrera desde o início da Casa
Verde, e tenho que confessar que o que ela, e em menor parte Crispim, me
contaram daria um bom conto nas mãos de alguém talentoso.
Ainda decidido a saber mais sobre Bacamarte e suas idéias
fui ter uma conversa com padre Lopes, que além de ser um grande amigo íntimo
também era alguém com quem ele travava conversas sobre suas idéias. Fiquei surpreso em
saber que ele também fora um de seus pacientes, acabei até mesmo perguntando
sobre detalhes de seu tratamento.
Ouvindo o relato do Padre fiquei entusiasmado novamente em
conhecê-lo, também fiquei prestando atenção na cidade, vendo se os habitantes
dela tinham alguma marca do tempo em que foram tratados por Bacamarte. Tive uma
impressão que os habitantes realmente parecem mais destemperados por essa banda
em relação a outras que já visitei por perto, mas me acho em uma situação
frágil para dizer isso, já que só conheço a cidade por um dia, e esse
destempero percebido pode ser um mero desejo meu de ver minhas crenças
corroboradas pela realidade.
Acabei não almoçando, só comendo à noite na hospedaria em
que me encontro, passei toda a tarde conversando com os barbeiros da cidade,
pessoas notáveis e membros da câmara. A cada relato me fascino cada vez mais
com a história que essa cidade leva, porém sinto que vou encontrar um paciente
ao invés de um mestre quando encontrar Bacamarte.
Vou visitar a Casa Verde amanhã, não sei o horário ainda,
espero que ocorra tudo certo.
****
Acabo de chegar de um encontro que tive com D. Evarista,
Acabo de lhe contar como foi o encontro com seu marido logo pela manhã, ela se
emocionou e chegou até a chorar em um momento. Em sua tristeza diz não saber o
que fazer, que tem saudades e tem medo que algum ruim lhe aconteça. Acalmo-a,
digo que planejo ficar lá por mais um tempo, meses penso eu, falo que a
situação dele não é tão grave, que passa o dia inteiro a estudar buscando a
cura para si. Ao me despedir dela, até vir aqui escrever em meu diário, fiquei
pensando no que fazer com o que vi hoje.
Ao chegar de manhã na Casa Verde bati à porta mas não fui
atendido, andei por um bom tempo ao redor do local até perceber um vulto em uma
janela, fiquei gritando em direção a ela para ver se alguém me escutava, depois
de um tempo ela caba se abrindo, aparecendo a figura de Simão Bacamarte. Peço um
tempo para falar com ele, a princípio se nega, diz estar ocupado, insisto, falo
de meus propósitos e do interesse em comum que temos sobre as moléstias, com
muita insistência me deixa entrar e conversamos por quase uma hora.
Lá me explica sobre suas teorias psicológicas e sobre a
moléstia que lhe atinge, confesso que acho sua visão um tanto romântica, a de
ver o equilíbrio como algo patológico, o espanto é maior vindo de alguém
altamente equilibrado. A conversa foi agradável, mas uma hora me pede para sair
já que deseja continuar com sua pesquisa.
Agora me vejo em uma situação em que concordo e discordo de
Bacamarte. Concordo com sua ideia de que o desequilíbrio seja algo saudável,
apesar de ter um certo receio em aceitar totalmente essa premissa, talvez nos
próximos encontros que tivermos eu possa conhecer mais sua proposta. De outro
lado percebo em mim uma certa prontidão em ajudá-lo, mas acho que o caminho que
tem trilhado até agora para tratar de sua moléstia pode não ser o melhor, não sei o
quanto ele é capaz de mudar suas características ficando confinado em seu
escritório.
Outra coisa me chamou bastante atenção: não seria seu
descaso com a esposa e amigos algo que apresenta um certo desequilíbrio de seu
caráter? Talvez sua teoria possa ter algum furo, afinal de contas ele já a
modificou anteriormente, talvez faça isso novamente.
Espero que de tempo suficiente de aprender e ajudar-lo.
Penso em propor que ele entre em contato com o mundo exterior aquelas paredes
que ele está enclausurado, já que estar lá não o tem ajudado em nada. Também é
preciso prestar alguma ajuda a sua esposa, não sei o quanto estar ligado a um
homem que parece estar alheio ao mundo e a ela pode acarretar um mal a sua
alma.
Mas por hoje espero conversar mais com os outros habitantes
da cidade para conseguir maiores informações sobre o caso, amanhã visito-o
novamente, vou tentar propor aos poucos sua saída, caso não aconteça, tentarei
propor a alguns habitantes, talvez a própria D. Evarista, que o visitem, se
isso não o ajudar em sua cura pelo menos vai lhe propiciar maior cuidado.
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