segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Projeto terapêutico para Simão Bacamarte




Projeto criado pelo aluno Rafael Venturini da Silva - Dezembro de 2014


É a primeira noite que passo em Itaguaí, e estou animado novamente depois dos últimos reveses. Já a tempos procuro ter uma conversa com Simão Bacamarte, desde o momento que um grande amigo me informou do grande médico que viera de Coimbra para tratar de moléstias da mente.
Por ocasião de questões familiares não pude ir de pronto conhecê-lo, tive que ficar por volta de três meses na casa de meus parentes no Rio de Janeiro. Durante a estadia ouvi boatos a respeito de sua mulher, D. Evarista, e a comitiva que a acompanhara tempos atrás, porém, aos poucos foram surgindo muitas falas desencontradas a respeito do próprio Bacamarte: uns diziam que ele estava usurpando da sua função para benefício próprio, já também se ouvia sobre sua imparcialidade no trato com as questões científicas, tendo ele trancado sua própria mulher e amigo dentro de sua casa de Orates. Com o passar do tempo elas ficaram cada vez mais confusas, se falava de revoltas que tomaram a câmara de Itaguaí, de que ele aprisionou mais de metade da população em seu edifício e que depois, repentinamente, soltou todos.
Apesar de tudo, ouvir esses fatos não me desanimou a ir de encontro ao médico, entretanto, no dia em que estava tomando rumo para Itaguaí, dou-me com a notícia que ele decidirá trancar-se dentro da Casa Verde para tratar-se, isso já fazia meses, e não parecia ter novas notícias dele. Essa informação me abalou prontamente, fiquei durante toda viagem remoendo ela, mas como já tinha me implicado suficiente nessa empreita decidi não abandoná-la.
Ao chegar hoje cedo em Itaguaí fui tentar encontrar sua mulher e outras pessoas que tiveram maior contato com o médico. Acabei encontrando-a na casa de Crispim Soares, boticário e amigo de Bacamarte, lá ela tomava café da manhã com Crispim e sua mulher, aproveitando a ocasião me apresentei, falei de minha formação médica, no meu interesse no estudo das moléstias nervosas e que vim para tentar captar algo dos ensinamentos de Simão Bacamarte.
Apresentando minha proposta logo vi certo desconforto por parte de todos, que ficaram em silêncio na sala. Porém sua mulher interrompeu sua mudez para tentar contar toda história que ocorrera desde o início da Casa Verde, e tenho que confessar que o que ela, e em menor parte Crispim, me contaram daria um bom conto nas mãos de alguém talentoso.
Ainda decidido a saber mais sobre Bacamarte e suas idéias fui ter uma conversa com padre Lopes, que além de ser um grande amigo íntimo também era alguém com quem ele travava conversas sobre suas idéias. Fiquei surpreso em saber que ele também fora um de seus pacientes, acabei até mesmo perguntando sobre detalhes de seu tratamento.
Ouvindo o relato do Padre fiquei entusiasmado novamente em conhecê-lo, também fiquei prestando atenção na cidade, vendo se os habitantes dela tinham alguma marca do tempo em que foram tratados por Bacamarte. Tive uma impressão que os habitantes realmente parecem mais destemperados por essa banda em relação a outras que já visitei por perto, mas me acho em uma situação frágil para dizer isso, já que só conheço a cidade por um dia, e esse destempero percebido pode ser um mero desejo meu de ver minhas crenças corroboradas pela realidade.
Acabei não almoçando, só comendo à noite na hospedaria em que me encontro, passei toda a tarde conversando com os barbeiros da cidade, pessoas notáveis e membros da câmara. A cada relato me fascino cada vez mais com a história que essa cidade leva, porém sinto que vou encontrar um paciente ao invés de um mestre quando encontrar Bacamarte.
Vou visitar a Casa Verde amanhã, não sei o horário ainda, espero que ocorra tudo certo.

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Acabo de chegar de um encontro que tive com D. Evarista, Acabo de lhe contar como foi o encontro com seu marido logo pela manhã, ela se emocionou e chegou até a chorar em um momento. Em sua tristeza diz não saber o que fazer, que tem saudades e tem medo que algum ruim lhe aconteça. Acalmo-a, digo que planejo ficar lá por mais um tempo, meses penso eu, falo que a situação dele não é tão grave, que passa o dia inteiro a estudar buscando a cura para si. Ao me despedir dela, até vir aqui escrever em meu diário, fiquei pensando no que fazer com o que vi hoje.
Ao chegar de manhã na Casa Verde bati à porta mas não fui atendido, andei por um bom tempo ao redor do local até perceber um vulto em uma janela, fiquei gritando em direção a ela para ver se alguém me escutava, depois de um tempo ela caba se abrindo, aparecendo a figura de Simão Bacamarte. Peço um tempo para falar com ele, a princípio se nega, diz estar ocupado, insisto, falo de meus propósitos e do interesse em comum que temos sobre as moléstias, com muita insistência me deixa entrar e conversamos por quase uma hora.
Lá me explica sobre suas teorias psicológicas e sobre a moléstia que lhe atinge, confesso que acho sua visão um tanto romântica, a de ver o equilíbrio como algo patológico, o espanto é maior vindo de alguém altamente equilibrado. A conversa foi agradável, mas uma hora me pede para sair já que deseja continuar com sua pesquisa.
Agora me vejo em uma situação em que concordo e discordo de Bacamarte. Concordo com sua ideia de que o desequilíbrio seja algo saudável, apesar de ter um certo receio em aceitar totalmente essa premissa, talvez nos próximos encontros que tivermos eu possa conhecer mais sua proposta. De outro lado percebo em mim uma certa prontidão em ajudá-lo, mas acho que o caminho que tem trilhado até agora para tratar de sua moléstia pode não ser o melhor, não sei o quanto ele é capaz de mudar suas características ficando confinado em seu escritório.
Outra coisa me chamou bastante atenção: não seria seu descaso com a esposa e amigos algo que apresenta um certo desequilíbrio de seu caráter? Talvez sua teoria possa ter algum furo, afinal de contas ele já a modificou anteriormente, talvez faça isso novamente.
Espero que de tempo suficiente de aprender e ajudar-lo. Penso em propor que ele entre em contato com o mundo exterior aquelas paredes que ele está enclausurado, já que estar lá não o tem ajudado em nada. Também é preciso prestar alguma ajuda a sua esposa, não sei o quanto estar ligado a um homem que parece estar alheio ao mundo e a ela pode acarretar um mal a sua alma.

Mas por hoje espero conversar mais com os outros habitantes da cidade para conseguir maiores informações sobre o caso, amanhã visito-o novamente, vou tentar propor aos poucos sua saída, caso não aconteça, tentarei propor a alguns habitantes, talvez a própria D. Evarista, que o visitem, se isso não o ajudar em sua cura pelo menos vai lhe propiciar maior cuidado.

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